sexta-feira, 24 de abril de 2009

A assustadora

Brasília, Brasil 13/01/2002

Estavam em um terreno baldio, tarde da noite, não havia ninguém por perto, só aqueles três garotos vestidos com roupas largas, pareciam jogar algum jogo de tabuleiro.

- Venci de novo. – O Garoto de óculos escuro venceu a partida com uma jogada qualquer, era um jogo de três, mas de turnos.

- Chefe, você sempre vence. – O menor reclamou, apesar de estar bem humorado.

- Claro. Espero que tragam nosso brinquedo logo. – Ele puxou um cigarro do bolso, acendeu com um isqueiro e fumou.

Vieram mais quatro garotos, segurando uma garota de grande beleza que esperneava e gritava, eles deixaram a vítima na frente do vencedor da partida, ela gritava com desespero por socorro, chorando, mas ninguém ouvia, não tinha ninguém além deles lá.

- Como a conseguiram? – O líder soltava fumaça do cigarro pela boca, e olhava a garota.

- O que vocês querem comigo? Por favor, me deixem ir. – A menina chorava, abaixou o tom, vendo que estava de frente para o chefe da gangue.

- Tava andando em uma rua vazia aqui perto, a agarramos, batemos nela, tampamos a boquinha e trouxemos, ela esperneou muito, mas foi só apontar uma faca pro pescoço que ela parou de tentar fugir, escondemos a faca quando estávamos chegando aqui, deixamos ela gritar, e agora ela está aqui. – O maior de todos eles, um dos que haviam levado a garota que falou, tinha um bom humor admirável.

- Por favor, o que vocês querem? – Ela insistia, ainda chorando.

- Vocês a deixaram gritar só para sentir o prazer de vê-la cheia de medo? – O líder parecia sério, falava com frieza.

- Sim, exato. – O mesmo marginal grande falou.

- Ótimo, tragam ela pra mais perto.

A visão das estrelas e da lua cheia era algo indiscritível naquela noite, gritos femininos cheios de pânico e desespero atravessavam a noite.

Brasília, Brasil 14/01/2002

Os mendigos estavam conversando naquele beco, bebiam garrafas de Pedra 90 enquanto isso.

- Pedra 90 é a melhor coisa que já criaram. – O mais cabeludo comentava.

- Realmente, uma garrafa e a gente já fica todo feliz, não sei porque tem gente que usa drogas quando pode beber Pedra 90. – O outro falava enquanto a mesma garota que havia sido raptada na outra noite passava por eles, tinha a expressão triste e quase chorava, só com trapos, toda machucada, olho roxo, cabelo bagunçado, arranhões, entre outras marcas.

- Ei, você é nova aqui? – O cabeludo perguntou à garota que passava.

- Não sou mendiga, fui estuprada. – Ela segurava para não chorar.

- Estuprada? Meus Deus! Que fez isso? – O menos cabeludo fez uma cara de susto.

- Uma gangue de marginais .

Já era noite, a mesma gangue estava no mesmo local onde haviam estuprado a garota na noite anterior, tocavam a música You Don’t Know cantada por 50 Cent, Eminem, Cashis e Lloyd Banks enquanto bebiam Smirnoff e dançavam, havia uma pessoa desmaiada no chão, uma garota, dançavam e esperam que acordasse.

A música tocava, o líder da gangue pensava em sua infância, sentado no chão:

Imagens de uma criança pedindo esmolas na rua para um adulto, ele estendia sua mão, mas o homem dava um tapa em suas mãos e o repreendia com gestos agressivos e de expulsão, fazendo ele sair correndo. Depois se lembrava da primeira vez que roubou, se viu correndo de um vendedor, levando um salgadinho, conseguiu escapar, deixando o vendedor furioso, fazendo gestos agressivos. Viu-se apanhando de três rapazes em uma rua deserta, dois o seguravam e o terceiro o batia. Viu-se ganhando uma arma de seu protetor, um adulto com pinta de malandro. Viu quando encheu seu protetor de tiros no peito, com todo os outros três da gangue olhando, os três se ajoelharam e pediram por piedade, que foi aceita, já que ele gesticulou para que se levantassem, e se levantaram. Viu a imagem de um homem vestido de jaqueta de couro e sua gangue de 3 membros atirando em sua gangue, que na época tinha 4 membros, eles atiraram contra os inimigos, mas seus companheiros morreram antes, e os do outro grupo também, só restaram ele e o líder da outra gangue, que tentou atirar nele, mas não soltou nenhuma bala, pois a arma estava vazia, nesse momento o inimigo fez cara de desespero e saiu correndo para cima dele, ele tentou atirar, e acertou 4 balas nos peito do cara, descarregando a arma. Ele estava de colete, se jogou sobre o garoto e começaram a lutar no chão, dando murros e rolando. Viu-se brigando com outro membro da gangue em cemitério, só para treinar as práticas marciais, se viu apontando a arma para uma menina que chorava e se viu assaltando um rapaz usando sua arma, fazendo com que passasse todo o seu dinheiro.

Voltava à realidade,sentado de frente à garota desmaiada, enquanto os outros ainda dançavam.

- As coisas não estão boas. Essas ruas presenciam cada vez mais horrores. – O mendigo cabeludo falava com desgosto.

- Eu nunca mais vou andar por uma rua vazia. – A menina suspirou.

Era um policial atravessando a rua, viu um grupo de três meninas adolescentes atravessando a rua precipitadamente, sem olhar para os lados, quando chegaram do seu lado, correndo pela calçada.

- Ei meninas, atravessem com mais atenção. – O policial avisou, gritando alto para as garotas que se distanciavam.

Uma outra gangue com 4 meninos atravessava a rua,corria atrás delas, passando pelo policial sem considerar sua presença, e realmente ele não fez nada.

- Ah não, de novo esses bandidinhos. – O mendigo cabeludo ainda estava no beco, conversando com seu amigo e com a garota estuprada, via as três meninas passando correndo por eles e os quatro garotos correndo atrás delas.

- Esperem! – Um dos meninos gritou, o grupo passou pelos mendigos e foi sumindo de vista junto com as garotas em fuga.

- Eu não me conformo com isso, não é só eu. – A menina voltou a chorar.

Brasília, Brasil 15/01/2002

Um velho homem lia jornal em uma mesa de lanchonete.

- Três garotas são encontradas mortas em um beco, suspeitos são presos com a testemunha de mendigos e de um policial, que viu quando os assassinos corriam atrás das jovens.

- José, seu incompetente! Se viu um monte de garotinhas correndo de um monte de moleques, por que não interveio? – Na delegacia, sentada atrás de sua mesa, a delegada brigava com o policial que testemunhou sobre os marginais que atacaram as meninas.

- Eu achei que não fosse algo importante, achava que era uma brincadeira.

- Você causou a morte de três inocentes, é melhor que não repita algo assim, senão farei tudo que puder pra acabar com sua carreira. – Ela falava com fúria.

- Sim senhora.

- Filho, sinto sua falta. – A mulher no cemitério, deixava uma foto sobre o túmulo, era a foto do líder da gangue que havia combatido a gangue do garoto de óculos.

À noite, duas mulheres muito sedutoras andavam em uma rua movimentada, rodavam bolsas, foram abordadas pelo policial.

- Cobram quanto? – Ele olhava interessado.

- 30 reais a hora.

- Pago as duas ao mesmo tempo.

A delegada andava em outra rua movimentada, de frente ao Pátio Brasil, distraída, esbarrou em uma adolescente cheia de marcas.

- Desculpe. – A garota de desculpou, tentando voltar a andar, mas a delegada e a segurou.

- Espere, como ganhou essas marcas em seu braço?

- Eu fui violentada por uma gangue em um terreno abandonado lá pro outro lado.

- Violentada? Eu sou delegada, quero que me leve a esse lugar.

- Acha que possam estar lá ainda?

- Sim, se você foi violentada em um terreno abandonado, certamente sabem o quanto o local é conveniente para o crime, então não é improvável que vão lá frequentemente.

No terreno citado, a gangue do menino de óculos escuro estava de frente para a gangue que havia matado as três meninas.

- Bem, vocês devem conhecer nossa gangue, O Círculo dos Depravados, não é? – O adolescente de óculos perguntava, sentado com os joelhos nas mãos, com os outros de pé.

- Você é o famoso Zé Lobo, eu sou o Urtiga, chefe do bonde do Urtigão.

- Nome ridículo, espero que possam sair logo do nosso caminho. – Lobo lambia a ponta dos dedos, sujas de sangue, então estalou os dedos e seus homens tiraram as armas do bolso, a gangue inimiga fez o mesmo. O céu estava avermelhado naquela noite, sem estralas, ouviu-se o barulho de muitos tiros e gemidos de dor naquela hora.

- Meu Deus! – A delegada chegou no lugar onde havia ocorrido a briga, encontrou todos mortos com balas no corpo, exceto Lobo, que estava sentado no chão de olhos fechados.

- Bem feito, desgraçados. – A menina gritou com ódio e satisfação, foi andando com a delegada até os corpos, foi quando viram o líder abrir os olhos e olhar com ódio para elas, a delegada pelo sua arma e apontou pra ele.

- Parado!

- O que vieram fazer aqui? – Ele estava sangrando na barriga, falando com dificuldade.

- Prender vocês.

- Não me interessa ser preso, prefiro morrer, todos esses anos nas ruas me ensinaram muitas coisas. As ruas são frias, as ruas são duras, as pessoas que estão nas ruas são duras, as pessoas que estão nas ruas são frias, na rua ou você mata ou você vive, é a lei da selva. A alma das ruas é realmente assustadora, em todos esses anos, matei, roubei e estuprei muitas pessoas, mas não me arrependo de nada, eu certamente irei pro Inferno, mas vocês vão juntos. – Ele tirou sua arma do bolso e a apontou para a delegada. Ouviu-se um tio, o céu estava vermelho.

- Acabou que eles se mataram. – A garota passava com a delegada por uma rua de movimento médio.

- Aquele marginal idiota tentou atirar em mim, ainda bem que sou rápida. Já devem ter chegado na cena do crime, ainda bem que hoje estou de folga.

- Se ta de folga, por que foi lá?

- Caso pessoal, minha filha foi estuprada e morta por uma gangue há dois anos .

- Amigo, viver nas ruas é um saco. – O mendigo cabeludo estava conversando com seu amigo no meio da rua, na frente de um bar, bebendo Pedra 90.

-Realmente, mas é nas ruas que vivemos, essas ruas já viram tanta coisa, que podemos dizer que ela é nossa mãe, e que nossa mãe é a mais sabia de todas.

- Verdade, hehe. – Ele deu mais um gole em sua bebida, bem fundo.