sábado, 4 de junho de 2011

Niilismo

- A vida humana é terrível, meu querido. Eu vivi bastante e cheguei a uma conclusão única, e todas as reflexões, as experiências, aquilo que assisti e tudo que senti, presenciei, fiz, tudo, absolutamente tudo indica uma única verdade, que é irrefutável, por ter total embasamento lógico e empírico. A conclusão é de que a existência é definitivamente uma sequência constante de infortúnios e sofrimentos, e que não há maior felicidade e fortuna do que a de não estar em sofrimento. Afinal, o que é a vida? Por que a natureza nos criou? Qual é o sentido de vivermos, de existirmos? Os religiosos diriam que fomos criados por Deus e que fomos feitos para adorá-lo, mas como eu poderia considerar tal visão se eu sequer cheguei a ver, ouvir ou mesmo sentir esse tal Deus? E se essa fosse o objetivo de nossa existência, então esse seria natural, e portanto os nossos instintos mais primitivos nos levariam a essa adoração, mas não é isso que vemos, pois os humanos primitivos não adoravam um Deus, mas sim os elementos da natureza, a colheita, a caça, os animais e o sexo. Então não poderiam todos esses elementos serem Deus, representado pela natureza? A resposta é não, pois esse ser em que todos acreditam deveria ser perfeito, e não se vê perfeição na natureza. Natureza perfeita? Uma ova! Por que temos falhar evolutivas? Por que há câncer gerado por células mal programadas? Por que crianças nascem deficientes físicas, cegas, com retardamento mental? E dizer que isso se deve ao fato do homem ter mudado o estilo de vida, e ser o culpado por todos esses problemas, dizer que a humanidade que vivia em sintonia com a natureza, sem tanta química, tecnologia,industrialização, poluição e alimentação sintéticos, dizem que todos esses são responsáveis pelos males de saúdes modernos. Pode até ser, mas um humano que vive em estado de natureza não passará dos 20 anos certamente, enquanto hoje em dia vivemos 70, um homem na floresta tem mais chances de morrer de fome ou devorado por um predador do que o mendigo que vive na cidade e pode ser assassinado a qualquer momento, por isso, por pior que seja o estilo de vida criado pelos seres humanos, eles vivem mais tempo com ele do que o tempo que viveriam se agissem como animais comuns, seguindo instintos primitivos e naturais, que são cruéis e inseguros, a qualquer momento, pode-se ser vítima de um predador, e misericórdia não é um sentimento natural, ao contrário, é totalmente humano, desenvolvido por nós de maneira artificial para permitir uma boa convivência. Bem, consideremos essa boa convivência como teórica e utópica, pois não podemos negar totalmente nossos instintos por sangue e violência, que são aqueles que temos quando habitamos em uma mata cheia de presas e predadores, onde não há lei ou regras além da sobrevivência. Além do mais, o que absolutamente completo precisa ser adaptável, e nós que mudamos nossos costumes com o passar dos milênios, e já não precisamos de várias características, ainda as carregamos, um real perfeição na programação dos seres vivos seria boa o bastante para que nos adaptássemos ao estilo de vida moderno, ao novo ambiente, mas isso não ocorre, e por isso a obesidade, a hipertensão e a apendicite são problemas comuns, para não falarmos do já citado câncer. Resumindo esta parte de minha explicação, quero dizer que o humano pode fazer um trabalho melhor do que o da própria natureza, então ela não é perfeita, pois se fosse perfeita, seria impossível melhorá-la ou superá-la, ela seria o estado mais evoluído possível, mas se nós conseguimos superá-la e manipulá-la para nosso conforto, abandonar a carne crua e fazer fogueiras, construir armas de metal e televisões, se nós somos capazes de usar da ciência para a dominarmos e estarmos acima da existência que teríamos nela, então não pode ser perfeita, e se a Natureza não é perfeita, não pode haver um Deus por trás dela. Mas não é esse o assunto principal de minha explicação, essa pequena introdução foi apenas para evidenciar duas verdades: A primeira é que Deus não existe, e se existe, não é perfeito, e a segunda é que a natureza também não é perfeita, e essa segunda verdade será a base para o resto da explicação. Enquanto os religiosos falam que o motivo para nossa existência é Deus, os materialistas falam que vivermos para sermos felizes, satisfazermos nossos desejos, seguirmos nossa racionalidade e tentar existir em uma existência cada vez mais completa e satisfatória. Acreditam que a ciência venha para trazer conforto para o homem, e de fato ela traz, mas estão errados em achar que o motivo para existirmos seja a felicidade, a satisfação, a racionalidade. Não! Como poderia? Essas razões para existirmos não podem ser naturais, elas foram escolhidas, são motivos que as pessoas selecionaram ou simplesmente criaram para explicar o porque de viverem,mas isso não explica porque vivem, apenas explicam pelo que vivem. Para ser mais clara e não permitir nenhuma forma de ambigüidade, irei usar um exemplo: Por que existe um barbeador? A resposta é óbvia e automática, para fazer a barba de alguém, isso explica o propósito para que ele foi criado, isto é, o porque que dele existir, a função inicial, e o pelo que será o mesmo, pois ele estará sendo usado para barbear. Mas se pegarmos uma bola de gude, o pelo que dela será o de ser usado no jogo de bolinha de gude, mas ao mesmo tempo, ela poderá servir como uma arma branca, se for lançada sobre a cabeça de alguém para machucar, nesse caso, o pelo que dela será diferente do seu porque, ela foi criada para o jogo, mas no momento do ataque, estará existindo para outra função, a de arma branca. Isso deixa esclarecido que Porque é a razão primeira da criação de algo ou alguém, é o porque ele existe, algo que será imutável durante toda a existência do objeto analisado, independente e qualquer fator, o porque é sempre o mesmo, e o Pelo que é a razão imperfeita da existência, é uma razão secundária, que não está eternamente ligada ao objeto, mas se liga por causa de uma escolha ou um contexto, sendo então variável. Tudo isso indica a impossibilidade das pessoas existirem para serem felizes, pois essa não é a razão primeira da sua existência, a razão primeira é apenas uma, a mais fundamental, e que se aplica a todos os seres vivos, sendo também de fácil dedução: Sobreviver. Todos os instintos de todos os seres vivos levam a essa afirmação, de que a natureza nos fez com o único objetivo de tentarmos nos manter vivos pelo maior tempo possível. Mas e quanto ao suicídio? O suicídio pode ser de dois tipos, altruísta, que é quando uma mãe morre pra salvar o filho, um soldado morre pelo seu general, um presidente se mata para proteger seu povo, um revolucionário se mata para evitar que descubram informações sobre seus camaradas, é todo o caso em que se provoca a própria morte, ou em que se permite morrer pelo bem dos outros. E há o suicídio egoístico, e este é a chave de toda a minha explicação, aqui está! O suicídio egoístico é aquele feito pelo próprio bem, quando uma pelo que supera o porque natural da existência da vida, esse pelo que é o de não sofrer mais, as pessoas se matam pois consideram que o alívio de parar com a dor e o sofrimento que sentem é mais importante que o mais fundamental de seus instintos, o de sobrevivência! O mesmo acontece no altruísta, em que o pelo que de fazer o bem, escolhido pelo indivíduo, que preferirá ajudar os outros a manter sua sobrevivência, mas é no egoístico que podemos acentuar o quão terrível é viver! Através da história, podemos ver que guerras, doenças e fome, miséria, crime e crueldade, toda a forma de infortúnio e mal, sofrimento para todos os gostos, mas ainda assim, os humanos continuaram a viver, mesmo vivendo como ratos, piores que animais, trabalhando sem parar para poder comprar um pouco de lixo pra comer, sem descanso, sem lazer, sem felicidade, não, o ser humano não tem vivido durante todos esses séculos de sofrimento para ser feliz, ele tem vivido para continuar vivendo, sobreviver tem sido o único objetivo, e nos casos em que as pessoas percebem que talvez não a velha a pena tanto sofrimento apenas para manter a própria existência, temos os suicídios egoísticos. Todos precisam lidar com alguma forma detestável de infortúnio, povos primitivos sofriam pela constante insegurança e medo, pela fome, a dificuldade de sobreviver, as doenças, o desconforto, a dor causada por atividades perigosas ou trabalhosas, povos mais modernos sofrem dos mesmos males, e aqueles que tem a sorte de não serem vítimas da fome, da dificuldade e da insegurança, esses ainda sofrem com seus problemas pessoais: solidão, amor não correspondido, remorso, tédio, e claro, doenças, pois não são só os miseráveis que ficam gripados. Vemos os artistas famosos e ricos se acabando em drogas, se suicidando, vemos os pobres miseráveis morrendo de fome, morrendo de doença, mendigando um pouco de lixo, ou os nem tão miseráveis, usando de toda sua força e trabalho incansavelmente por horas e mais horas para poder viver com o básico dos básicos, para poder comprar um pão mofado, ainda no melhor dos casos, essas pessoas serão submetidas ao sofrimento da exaustão do esforço excessivo. Isso que quero mostrar, todos sofrem, o sofrimento é naturalmente ligado à existência, e não apenas nos humanos, vemos as formigas que vivem em condições de trabalho escravo, as gazelas que vivem com medo e terror de serem devoradas por um guepardo, os tubarões que nunca dormem e não podem parar de nadar para não afundar, além de devorarem os próprios irmãos na barriga da mãe. Ora, a águia precisa passar por um violento e doloroso ritual de auto-mutilação para poder sobreviver, tendo que arrancar todas as penas e o próprio bico para continuar vivendo por mais alguns anos, para nascerem novos em folha, além de suas presas, que são comidas vivas, passando por dores terríveis. Todo ser vivo está condenado ao sofrimento, mais ou menos, seja ele por viver como um escravo, ou seja por melancolias infantis e tolas, pois podem ser infantis, mas causam sofrimento, como os jovens que se mataram após ler o livro de Goethe, todos eles deviam ter suas dores emocionais e melancólicas, e decidiram dar cabo de suas vidas para poderem descansar, se aliviar, se livrar das sensações agonizantes do sofrimento melancólico emocional! Assim como aqueles que se tornam aleijados após algum acidente ou doença, e preferem morrer a ter que lidar mais com a própria situação infeliz. Ora, assim como tantas crianças vítimas da solidão, da doença, da fome, que só não se mataram porque morreram antes, vítimas da cólera, dos acidentes, da pneumonia, assim como Judas Iscariotes, que não pôde lidar com o violento remorso de ter traído Jesus, e para evitar mais daquela sensação tão torturante que é o remorso por um crime, tirou a própria vida, apenas para se aliviar. Sim, a vida é uma sequência de sofrimentos, o sofrimento do filósofo que não é compreendido pelo povo estúpido, do rei que não consegue governar como quer e se frustra, do mendigo que sofre com o ronco da própria barriga o dia todo, da mãe que vê o filho nas drogas , do filho que está nas drogas para esquecer de algum infortúnio de sua vida, pessoal ou não, do soldado que passa por situações degradantes na guerra, do padre medieval que se penitencia em nome, do bom menino que apanha dos colegas na escola e é excluído, do menino que bate para descontar suas frustrações, da garota que se prostitui com pessoas que considera asquerosas para poder se alimentar, do idoso sem forças que sofre ao pensar que já teve a saúde perfeita, do idoso fracassado que vê o quanto sua vida foi sem frutos e em vão, do velho bem sucedido, que imagina todas as alegrias que ele deixou de viver por causa do trabalho, a pessoa rica que se sente culpada pelos pobres, a pessoa rica que se sente insegura por não ser capaz de viver como os pobres vivem, o pobre que inveja o rico e odeia imaginar que poderia ter tudo aquilo mas não tem, o paraplégico que pensa em como seria bom andar, o corredor profissional que sente as dores do treinamento, mesmo que recompensadas, o louco que ouve vozes e não tem paz, o preguiçoso que sofre com a própria preguiça, desejando dormir e até morrer para não ter que mover nenhuma palha, e é infeliz por não poder estar sempre descansando. Tudo, tudo isso apenas prova que a felicidade não é nada mais do que a ausência de sofrimento, pois com tanto sofrimento possível, não poderia haver nada mais gracioso e agradável do que não sofrer, feliz de verdade é quem não sofre, mas isso é impossível, por isso, não dá para negar, a vida é uma longa e eterna desventura, e só vale a pena quando conseguimos ao máximo reduzir os momentos sofridos, e assim, alcançar o bastante da felicidade, já que ela completa é tanto utópica, quanto impossível.

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